terça-feira, 2 de setembro de 2008

O DIREITO DE NÃO SER INFELIZ PELOS OUTROS

Depois de um pseudo-exílio, eis-me de volta. Nesse afastamento, andei pensando muito sobre o tema trazido pelo título acima. Fatos e fotos da vida se apresentam no teatrão diário que é o cotidiano... e dá-lhe perder tempo em devaneios.
Contudo, todavia, porém e entretanto... vale dividir pensamentos aqui.
O direito de não ser infeliz pelos outros, apesar de parecer meio óbvio, parece haver sido sequestrado, abduzido pela condição miserável de ser humano que às vezes se evidencia na nossa jornada no planetinha.
Histórias pessoais e narrativas ouvidas desenham pra mim, cada vez mais, essa obrigação de ter ligações e de cumprir convenções, que acabam fazendo com que a solidariedade se torne madrasta: quem parece poder ser feliz acaba cedendo um pedaço de sua plenitude às hienas lamuriantes vida afora.
Como os exemplos do cinema parecem ser sempre muito elucidativos, eu acabo, por cacoete e por linha de ação, sempre me remetendo a eles. Vou radicalizar: quem não assistiu o filme espanhol chamado MAR ADENTRO, deve deixar de ser alienígena, sair da caverna sombreada e dar uma olhada no longa.
O filme é uma divagação muito sã sobre personalidades e dilemas, e traz a noção de que aquele que tem todo o direito de ser infeliz nem sempre opta por esse caminho.
Auto-piedade é um saco, pra falar a verdade.
Mas, ao mesmo tempo, parece ser uma armadilha corriqueira... é como chocolate, parece que seduz praticamente todo mundo, menos alguns excêntricos ou quem sabe afortunados.
Não vou entrar no mérito da questão da normalidade ou não das mentes e personalidades, até mesmo porque a excentricidade pode ser divertida e até gerar prazer de companhia... mas, o que não dá pra fazer é ser engolido pela miséria alheia.
Uma coisa é compaixão.
Outra é o apetite da infelicidade alheia.
Ele devora a gente.
O pior de tudo, é que pouca gente consegue enxergar que a vontade de ajudar pode ser legítima, pode ser cristã, budista ou muçulmana (como princípio), mas o direito de continuar feliz mesmo diante da infelicidade alheia deveria ser intocável.
Claro, sempre temos a história do português diante do aquário, onde olhando para o peixe, acabou abrindo e fechando a boca como ele. Quem conhece a piada, lembra do desafio das mentes. A mais forte predomina.
Isso nos leva a uma conclusão e uma verificação quase inevitável: ser infeliz pelos outros parece estar entre o poder de decisão e o domínio da própria mente.
Olhe para os lados.
Sempre, sem dúvida, inescapavelmente, existe alguém se lamentando eternamente pela vida, querendo que a sombra dessa nuvem escura e faminta chamada insatisfação cubra sua vida, porque a dela já está coberta num limite de espaço imenso e sem fronteiras finais.
Sempre existe aquele baixo-astral gosmento, que não pode reconhecer nunca a dádiva de viver, que fica achando que a vida foi sempre injusta, que lamuria a condição de pára-raio das maldades do mundo.
Argh.
Parece defunto que tira a mão da cova e fica puxando seu pé.
Muito já se falou de gente que não quer ser ajudada, é adágio popular usar esse refrão, mas há sabedoria na colocação.
Vamos chamar essa gente de "buracos negros".
Pros buracos negros, só há uma solução: isolamento.
Porque eles não tem fundo.
Um buraco negro não reage por si.
A função dele na vida é engolir tudo, inclusive a luz.
Se teu mundo tá clarinho, ele quer escurecer.
Se você tá animado, ele quer te amuar.
Na verdade, o mais grave, é que esse tipo de gente não faz isso porque planejou. Nem faz por mal, como diriam os antigos. Mas faz.
E daí, diante deles, se planta o dilema: ajudar ou não ? Se envolver ou não ?
Entenda ajudar como um fruto natural da tua compaixão.
Se você consegue ser egoísta, se afastar e mandar ele ir chupar prego até virar tachinha, juro, juro por São Onofre, EU TE ADMIRO!
Porque ajudar, conviver com problema, orientar, ou seja, participar de uma infelicidade que tem cura, é gostoso e é até exercício de humanidade.
Agora, enfiar os dois pés na areia movediça, que só quer te sugar pro fundo sem sequer te oferecer a satisfação de ter gasto energia com aquele problema, é burrice, e das grossas.
Obviamente, todos tem seu calvário.
Quem é resoluto de ajudar porque não consegue se livrar de um dever afetivo ou de uma convenção social acorrentadora, deve também ser objeto de pena.
Mas a esses, ainda, eu sugiro: deixe o coração em casa.
Vá pra labuta da ajuda de modo mecânico.
Guarde o abraço e o afago pra quem tem vontade de se reerguer.
Porque não existe tarefa mais ingrata do que comprar infelicidade por dever de ofício.
Como dizem por aí, ninguém pode dar procuração pro outro viver sua felicidade.
Ninguém poderia dever ou querer também ser infeliz pelos outros.
Ajudar não é compartilhar a infelicidade.
Ajudar é, quando o infeliz mostra querer ser feliz, apostar na obra final, e ter orgulho e amor pela causa de acreditar que bom mesmo é gastar energia com algo possível.
Quando você visualizar um navio encalhado, não tente empurrar ele sozinho pra água, é coisa demais pra você.
Quando você visualizar um bote encalhado, veja se ele não está furado, e daí comece a fazer força.
Barcos furados tem seus donos... e tapar o buraco é o dever do dono do barco. Depois, ele merece ajuda pra desencalhar.
Metaforismos infantis à parte, era isso.

2 comentários:

mamãe Bete disse...

pois é, até parece que conheço caso assim. Mas nunca fui, não sou e nunca serei infeliz por ninguém. Afinal, tenho todos os motivos prá ser feliz, e você é um deles!

Moshe disse...

Aqueles a quem proporcionamos momentos ou estágios prazeiros entendem que fizemos pouco ou nada.
Quando pomos azeitonas em empadas que não nos beneficiam, é um eterno masoquismo. Felizes os que entendem no que pode e quando devem ser ajudados. Ao navegar jogar o excedente á sorte dos tubarões, é a felicidade dos precisam viver. Para alguns existe o perdâo e o egoismo. Lembremos que não somos só mundo, é uma eterna interação.Afinal nascemos exigindo o dever de sermos bem criados, crescemos quando evoluimos e somos exigidos a cuidar no forma como devolvemos aos peixes ou ao pó.Afinal somos diferentes dos irracionais que para viver é necessário a infelicidade do outro.Ao navegar temos o timoneiro, este dá lugar quando necessário, o barco que deve ser bem cuidado e os passageiros que nunca serão infelizes em ver o barco virar e desvirar