quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O MEU ERRADO E O ERRADO DELES

Talvez o melhor pra começar esse post-reflexivo seja te fazer uma pergunta: quantas vezes você defendeu um ponto de vista que fosse desvantajoso pra você?
Vamos, lá, refraseando: no campo dos argumentos, trocando idéias ou debatendo algo, quantas vezes você já tomou partido de uma idéia que, se aplicada na prática, tiraria algum benefício seu?
Você já vai entender onde quero chegar.
No campo da argumentação, dos fundamentos, das razões, parece haver uma quase infinita flexibilidade.
Podemos falar no erradinho e no erradão.
Eis o conceito deles: o erradão é aquele que os outros estão cometendo. Eles estão infringindo a lei, a ética, a moral, são atitudes inaceitáveis, repreensíveis, condenáveis.
Já o erradinho é diferente, porque ele apareceu no seu espelho. E a partir do que ele vestiu suas roupas, dormiu na sua cama e comeu no seu prato, ele passa a ser defensável, relativo, tolerável.
Vamos exemplificar pra não deixar o gaiteiro solando no improviso.
Pra isso, vamos usar o campo das leis. Digamos que você está viajando no feriado. Fez aquela mala apressada porque estava sem tempo pra se planejar muito, saiu mais tarde do trabalho, e a diária ou o aluguel de sua hospedagem já estão em andamento.
Aí você pega uma estrada meio engarrafada, com a família no carro, os filhos perguntando "papai, tá chegando"a cada 12 segundos. Olha para frente, uma fila que parece começar no Cazaquistão, olha para o lado, um gordo seboso tirando tatu do nariz. Você pensa: "eu não pertenço a esse lugar e esse momento, meu São Onofre." Aí, olha pro lado, e incrivelmente, existe uma pista livre. Ela se chama "acostamento-highway", ou pelo menos deveria se chamar, já que tem tanta gente passando por ali. Por um momento você pensa: "ah, eu não vou ser o único palhacinho que vai ficar esperando nessa fila", vira o volante e entra na via livre e que pasmem, anda (até parar logo ali na frente, claro).
Apesar de você ter feito isso sob a justificativa de que não ia ser o único pateta a ficar esperando no imenso impedimento de movimento chamado fila, a maioria esmagadora ficou na fila. Mas você não, afinal, você é espertão, papai te ensinou a malandragem da vida, e com isso você volta e meia se dá bem.
Nesse ponto, se você é realmente daqueles que andam pelo acostamento, esquecendo que vive em sociedade e achando que nenhuma ambulância, polícia ou bombeiros pode precisar daquele acesso, ou se você acha que o mundo de panacas que ficou te olhando passar sempre serão os tolinhos dessa vida, você já deve estar mentalmente se defendendo.
Alguns argumentos são possíveis:
"Tem tanto bandido solto, que mal tem andar pelo acostamento?"
"Eu sou um pai dedicado e até pago meu imposto de renda (mais ou menos), então furar essa fila imensa não machuca a aura de santo nenhum."
"Ah, que se dane, nem vou pensar em nada, só estou sem saco de ficar aqui parado."
Mesmo que consideremos que podemos eleger como errado as ofensas ás pessoas em particular ou à sociedade em si, ou seja, mesmo que você esteja achando que meu exemplo foi infeliz, pode usar o seu. Só aplique a mesma regra: ser você estivesse de fora, diria que está errado. Mas de dentro, você pode dizer que nem faz diferença ou que é justificável, ou que uma ou umaS vezes só não faz mal, e por aí vai.
Muita gente tem dito que o Brasil sofre de uma doença crônica (e não aguda, mas crônica sim), que se chama felxibilidade moral.
Eu digo que isso não é coisa do Brasil, é coisa do ser humano.
Claro, há nações conseguem ser menos flexíveis, numa média. Você até pode ver um executivo japonês, cuja corrupção foi descoberta, fazendo um harakiri, mas tenha certeza, tem muito japonês dando seu jeitinho também. Por isso, esse devaneio deve ser pessoal, vamos esquecer a galera.
A galera é burrinha, a galera quebra e ateia fogo em ônibus, a galera saqueia quando o Estado desaparece.
Por incrível que pareça, a galera é feita de indivíduos, mas a soma dos indivíduos não forma a turba... (isso é conceito de um pensador, que não cito agora pois não pesquisei pra identificar o cabra.)
Então vamos pensar em mim e em você.
Vamos ser adultos e parar de defender o erradinho.
A verdade conveniente demais, só pode ser mentira.
Verdade oportunista, verdade conveniente, pode certamente ser chamada de meia-mentira pelo menos.
Em outras palavras, pra que essa paranóia de querer sempre estar certo?
Esteja errado, assuma o errado, realize assim o pilar da psicoterapia chamado auto conhecimento... (é, eu também já frequentei divã).
É cansativo se observar ou observar os outros defendendo alguma coisa que, numa visão kantiana, está errado e pronto.
Obviamente, existem errados gerais e errados particulares.
Existem coisas que funcionam pra você e não funcionam pra mim, e vice-versa.
Mas andar no acostamento, sonegar impostos, subornar o guarda, furar a fila, jogar cigarro na rua, estacionar ocupando duas vagas, roubar sinal de tevê a cabo, perceber que faltou alguma coisa na conta do restaurante e não falar nada, trair seu marido ou mulher, e tantos outros erradinhos (ou erradões, sempre depende do lado que você está)...
Talvez a partir disso seja mais fácil viver, ou seja, se você realmente acredita que consegue administrar os seus erradinhos, mesmo que você continue achando que eles não são errados, boa sorte na técnica de contenção eterna.
Acreditar que você poderia estar fazendo coisa bem pior não melhora o que você está fazendo. Acredite, nesse caso, não existe relação entre o que você deixou de fazer e o que você está fazendo.
Só existe uma coisa: o que se materializa, o que veio ao mundo dos fatos.
Por último, apenas pra falar de um clássico da auto-indulgência, é bom lembrar que comparação não salva sua pátria. Muita gente defende seus erros dizendo: "ah, eu estou fazendo isso, mas mo mesmo jeito, eles estão fazendo aquilo..."
Outra criancice da nossa mente é se justificar comparativamente, ou seja, é achar coisas análogas ou similares que também estão erradas e que você não está fazendo.
ORA, SEU BOCO MOCHO, A ÚNICA COISA QUE IMPORTA PRO SEU MUNDO É O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO.
O pensamento "ah, todo mundo tem seu vício e por isso eu posso ter o meu" não torna seu vício certo, não justifica seu erro, apenas o individualiza.
Poderia se dizer então, numa redundância meio ignorante, que se todo mundo anda acima da velocidade permitida as placas ou o código de trânsito são frutos da nossa imaginação...
Como se pôde notar, a reflexão do dia foi pra lá de abstrata, mas normalmente algo no dia me leva a escrever... e vamos e venhamos, não custa pensar um pouco, afinal, parece que dentro da caixola a natureza nos colocou equipamento pra ser usado...
No fim, concluindo em aberto... provavelmente é mais bacana ser um errado assumido do que um hipócrita eloquente...