sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CARETAS ANTIOXIDANTES

Antes de dormir, minha mãe sentava na pontinha da cama, e com a mão macia, que parecia sempre cheirar a pão fresquinho e jasmim, tirava a franja adolescente da minha testa com espinhas. Eu dormia feliz.
As boas mães tem o terrível poder de não deixar você virar adulto. Um dia, do nada, você precisa dormir na casa dela, e ela vem te trazer um sanduíche enquanto você assiste o Jornal da Globo. Mãe é mãe.
Um dia, casei. Um tempo depois, tive uma filha. De repente, estava perdido entre dois conceitos de mãe: a mãe na vertical e a mãe na horizontal.
Com uma, eu tinha nostalgia e conforto. Com outra, eu tinha desafio e participação.
Certo dia qualquer, de uma semana vulgar, cheguei em casa e encontrei a esposa-mãe, rindo de cara vermelha, jogada na cama com minha filha. Era tarde, eu estava com o corpo cheio de radicais livres pra lavar no banho-indulgência, mas o clima de bobagem me desmontou a canseira. O que você pode precisar mais do que gente rindo gostoso, sem ter ganho na mega sena? O que você pode querer mais do que o amor brilhante nos olhos vivos, a história de tantos momentos banais que na sua soma são maiores que o tesouro do Salomão?
Joguei a pasta no chão, descasquei os pés dos sapatos, me joguei entre as minhas meninas, fingindo com as pontas dos dedos que ia mergulhar no colchão fofo e grande.
Por um instante, tão essencial, fiz a careta mais feia que conhecia e despiroquei na insanidade amante da vida.
As mães e filhas, colorido impagável da minha vida, servem mesmo é pra isso. São puro anti-oxidante, limonada pink tomada na mesa de madeira na tarde ensolarada, no meio de uma grama sem fim, que é a minha história.
Levantei, depois de algumas palhaçadas previsíveis, deixei as duas rindo, e entrei no banho, agora mais pra pensar debaixo da água abundante que todo dia, todo dia sem exceção, tem um jeito de se renovar.
Fiz uma pequena oração com os cabelos inundados pela água, agradecendo ao Paizão porque me deu o talento de mergulhar em colchões e fazer caretas.
O sábado chegou, a vida recomeçou.