sexta-feira, 7 de maio de 2010

Apocalipticamente desesperançado

Minha mãe acreditou e sempre me disse que as relações humanas são cuidadas como plantas ou animais de estimação: reagem, e muito bem, à dedicação. Meu pai, por outro lado, tem uma curiosa fé no amor racional: defendeu por tantas vezes, em sua tribuna caseira, que se pode aprender a amar alguém passionalmente.

Isso tudo é do tempo em que a filosofia estava em casa, até mesmo na receita de quirera ou de cuscuz. Mas as coisas mudaram.

Não podemos negar que vivemos uma era de método e organização. Todos os campos das ciências, dos negócios, das relações, parecem poder ser otimizados, levados a um patamar mais alto de produtividade, de eficiência, de profissionalismo.

Não sei quem sofre mais com isso: os supersticiosos ou os empíricos. O mundo divertido das crendices, das chazinhos, das ervas secas, das simpatias, da pedagogia de vara de marmelo, da molecagem forjadora de caráter, parece estar se esvaindo num mundo pra lá de chato.

Chegou o politicamente correto, o ambientalmente irretocável, o asseado demais. As pessoas estão almoçando organogramas e jantando planos de metas.

Mas a pergunta é a seguinte: e a geléia de laranja com casca, na panela de ferro mal lavada de 30 anos de uso, vai entrar em extinção?

Li dia desses da revista Piauí uma divertidíssima crônica sobre o Clube dos Sem Celular. Não sou um anacrônico resmungão, ao contrário, adoro meus brinquedinhos que piscam e fazem pimpoim, afinal, boys will be boys. Mas algumas pessoas me criticam porque ao mesmo tempo gosto de tirar o broto do dente do alho porque acredito na mitologia de que o ranço e o amargor se vão quando os pedacinhos fritam no azeite, sem o maledeto broto.

Meu medo é, de verdade, a hora que tivermos que escolher.

“Ei, rapaz, você não pode transitar nos dois mundos! Pode ir se definindo, ou um primata biomecânico enquadrado, ou um dinossauro estorvo rebelde-sem-causa.”.

Já estive nos bancos de faculdade, que ainda na década de 90 tinha gente com fotografia do Che na capa do caderno, e estrelinhas em pin penduradas na indumentária. PT? PT era uma desculpa, o legal mesmo era ser da esquerda cool. Cabelo sem corte, meio ensebado, mas com certa sustança. Camisa por dentro da calça só podia ser coisa de playboy ou de pedreiro descendente de alemão voltando pra casa depois de ter emgomado o cabelo no fim do serviço.

Mas a coisa tá ficando sem alma. O poder aquisitivo chegou na base da pirâmide, e o que a gente ganha em troca? Um monte de carros com aparelhagem de som pra fazer comício de Diretas Já, mas tocando funk meleca carioqueca na sua moringa. Como diz a tevê, ninguém merece.

Nostálgico? Romântico? Idealista? Nego tudo, mesmo sob tortura. Azedo? Ranzinza? Ranheta? É a mãe.

Por isso é que não dá pra pensar outra coisa, tá chegando a hora em que a curiosidade intelectual vai ser proibida por lei. A ternura psicodélica vai pro Código Penal. Somos do BRIC. Aqui, só chegou a marolinha. Pré-sal: eis que vemos a Terra Santa, isso aqui vai virar a Canaã do combustível fóssil.

Fico imaginando se o Nostradamus previu isso tudo. A nova era, onde enfim, vamos ter dinheiro pra imitar com afinco o consumismo norte americano. Que redenção! Podemos depois de tanto tempo financiar nossa total colonização cultural!

E os lambaris com varinha de bambu? História da carochinha. Quem quer sentar na beira do rio e sentir o cheiro empoeirado da barranca enquanto o sol te esquenta e te dá preguíça?

Ninguém. Afinal, agora tem lambari 3D .

Parem o Brasil que quero descer. Vem aí nossa desgraça final: uma economia forte, um povo endinheirado, e um país sem identidade.

Sniff.

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