sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CARETAS ANTIOXIDANTES

Antes de dormir, minha mãe sentava na pontinha da cama, e com a mão macia, que parecia sempre cheirar a pão fresquinho e jasmim, tirava a franja adolescente da minha testa com espinhas. Eu dormia feliz.
As boas mães tem o terrível poder de não deixar você virar adulto. Um dia, do nada, você precisa dormir na casa dela, e ela vem te trazer um sanduíche enquanto você assiste o Jornal da Globo. Mãe é mãe.
Um dia, casei. Um tempo depois, tive uma filha. De repente, estava perdido entre dois conceitos de mãe: a mãe na vertical e a mãe na horizontal.
Com uma, eu tinha nostalgia e conforto. Com outra, eu tinha desafio e participação.
Certo dia qualquer, de uma semana vulgar, cheguei em casa e encontrei a esposa-mãe, rindo de cara vermelha, jogada na cama com minha filha. Era tarde, eu estava com o corpo cheio de radicais livres pra lavar no banho-indulgência, mas o clima de bobagem me desmontou a canseira. O que você pode precisar mais do que gente rindo gostoso, sem ter ganho na mega sena? O que você pode querer mais do que o amor brilhante nos olhos vivos, a história de tantos momentos banais que na sua soma são maiores que o tesouro do Salomão?
Joguei a pasta no chão, descasquei os pés dos sapatos, me joguei entre as minhas meninas, fingindo com as pontas dos dedos que ia mergulhar no colchão fofo e grande.
Por um instante, tão essencial, fiz a careta mais feia que conhecia e despiroquei na insanidade amante da vida.
As mães e filhas, colorido impagável da minha vida, servem mesmo é pra isso. São puro anti-oxidante, limonada pink tomada na mesa de madeira na tarde ensolarada, no meio de uma grama sem fim, que é a minha história.
Levantei, depois de algumas palhaçadas previsíveis, deixei as duas rindo, e entrei no banho, agora mais pra pensar debaixo da água abundante que todo dia, todo dia sem exceção, tem um jeito de se renovar.
Fiz uma pequena oração com os cabelos inundados pela água, agradecendo ao Paizão porque me deu o talento de mergulhar em colchões e fazer caretas.
O sábado chegou, a vida recomeçou.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

BICOS E FUTUROS EMOCIONAIS

Como diria a Adriana Calcanhoto, “eu ando pelo mundo, prestando atenção em cores...”.

As cores, nesse caso, são as mais determinantes, pois minha atenção um dia desses recaiu sobre o tamanho do bico que fiz ao ser preterido por minha pequena filhota, que preferiu a mãe para um determinado assunto-momento do dia a dia.

O momento não importa, o que é relevante mesmo é a questão do ranking de bicos. Como diz o colono, explico: o bico, formação súbita e ás vezes duradoura, provocada por uma contrariedade, uma frustração, uma decepção, seja ela justa ou não, tem graus, tamanhos e permanências diferentes.

Presume-se que, quanto mais idade você ganhe (não dá pra usar “quanto mais adulto você fique”, pois idade e “adultez” não tem vínculo obrigatório entre si), menos frequente e de menor tamanho será o seu bico.

Pode-se dizer que entre a infância e a pré-adolescência os bicos costumam ser como de vultuosos tucanos, e que na meia idade eles já se tornam ás vezem saliências quase imperceptíveis, como de pequenas maritacas.

De qualquer modo, fazer bico e lhe manter feito é uma característica péssima, via de regra, pois quase todo bico é injustificado instrumento de resistência chantagista.

Voltemos então ao meu bico no dia em que minha filha, uma criatura de dois anos de idade, resolveu que não queria que eu pusesse ela pra dormir, e sim a mãe.

Culpas e convívios á parte, méritos e construções de elegibilidade excluídos, o bico, nesse caso, só pode ser exorcizado, defenestrado, pulverizado com uma arma porreta de raios laser, pois a deseducação e a desestabilização da criança, ao enfrentar o bico do adulto, é inevitável e perniciosa.

Não estou aqui me martirizando, porque fui motivo de compaixão e carinho de minha esposa, e consegui, com algumas manobras peripatéticas e desafinadas, ganhar o direito de colocar minha filha na cama.

Mas nos dias seguintes, algo aconteceu na minha vida profissional que me desolou, me desacorçoou, como se fala lá na roça.

Um cliente, pai separado de um filho de oito anos de idade, havia acolhido, por causa da mãe absolutamente relapsa e desinteressada pela criança, o garoto para viver com ele. Os enfrentamentos e desafios de mudar seu cotidiano e acolher mais uma pessoa, por mais que seja seu filho, são óbvios.

Contudo, são tão óbvios como são obrigatórios, pois há uma lei quase de superioridade divina que deve nos compelir a arcar com as responsabilidades da paternidade.

Filhos são o mote do amaciamento da alma e da maturidade, em alguns casos, forçada.

São inicialmente, escolha, e depois, dever.

Não consigo defender, por mais que se tente uma justificativa naturalista beatnik, desvincular a paternidade de seu papel de lançamento das fundações da personalidade do filho, que se formará.

Não estou falando de suporte financeiro, meramente, ainda que este deva ser proporcional à índole e oportunidades, ou até mesmo causa de esforço do amor aterrador que ás vezes é ser pai.

Mas estou falando de nutrição emocional, de devoção controlada e consciente aos filhos.

Voltando ao caso que me indignou, o pai, enfrentando a nova realidade de ter o filho com sua nova mulher e seu outro filho do novo casamento, ouviu do menino, num dia qualquer, que este queria voltar a morar com a mãe.

De repente, nuvens muito cinzentas se ergueram sobre a cabeça desse homem, um profissional liberal informado, culto e de sucesso, e este, enfrentando a suposta ingratidão, esbravejou com o menino, lhe dizendo que podia ir morar com a mãe, que fosse, mas que esquecesse que ele era seu pai.

O desafio emocional, de proporções titânicas para o menino de oito anos de idade, estava lançado.

Tome aqui, moleque, pegue essas três bolas de boliche e faça malabarismo com elas.

Força, vamos lá, você é feito de que, de maria mole?

Se não guenta porque veio?

Ouvindo a narrativa da madrasta do menino, que nos procurou em certo desespero por reconhecer a opressão, me espelhei naquele homem pra lembrar do meu bico.

Pobre de mim, um bico ínfimo, ainda que existente, não podia competir com aquele bico de pterodáctilo que o pai havia feito ao desafiar o menino a não ter mais pai.

Não era realmente uma luta justa: como o menino, com seu bico de pardal, enfrentaria o gigantesco bico do pai, um bico que vociferava, do alto de sua condição de provedor, tanto emocional como material, para que o menino esquecesse que tinha pai?

Me revoltei ao figurar em minha mente a imensa dose de infantilidade do pai, era realmente uma disputa desequilibrada, massacrante, o bico, uma tempestade de imaturidade e de insurreição emocional por parte daquele pai, esmagava a infantilidade natural do filho, inerente, esperada, que lhe é característica, afinal, ele só teve oito anos para desenvolver a envergadura de seu bico, para juntar queratina e conseguir formar seu pequeno biquinho, sua birra, materialização do descontrole e da falta de autonomia.

A confusão emocional, a falta de certezas e exatamente o que clama por um guia emocional que lhe conduza, vagarosamente, ao descarte do bico.

Afinal, nosso tutores, aqueles pra quem olhamos com admiração, naqueles que nos sustentamos, são nossos ídolos exatamente porque em algum momento descartaram seus bicos.

Olhando pra eles, podemos então acreditar que um dia conseguiremos jogar nossas birras e descontroles na lata no lixo.

Aquele menino, contudo, talvez nunca poderá fazer isso, pois seu pai lhe mostrou que o bico estava guardado para uma emergência, e era de um tamanho descomunal.

Uma luta tão injusta como poderia ser.

Inevitavelmente, vendo os monstrengos que podemos deixar se formar, senti vergonha da minha contrariedade e infantilidade, mesmo tão bobinhas, por entender que esses cantos mal lixados que carregamos podem se tornar enormes e incuráveis.

Pior: ao ver aquele pai, quando desafiado pelo filho, optar por bombardear de volta em vez de vencer usando uma bela carga de inteligência emocional, constatei que esse menino vai ter que se virar, pois no momento de fraqueza e dúvida, total direito dele por simplesmente ser criança, ele recebeu como contraponto uma fraqueza agressiva e uma dúvida infantil.

Golpe baixo, mesmo.

Vale internalizar a reflexão cotidiana, professar a auto-reflexão.

Numa hora, somos suportados, e em outra sustentáculos. Isso é a sequência natural da vida.

Por isso mesmo, abraço aberto e desejo de uma boa e feliz vida, temos que entender, pois a regra é escandalosamente clara: não temos o direito de ser mais crianças do que as nossas crianças.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Apocalipticamente desesperançado

Minha mãe acreditou e sempre me disse que as relações humanas são cuidadas como plantas ou animais de estimação: reagem, e muito bem, à dedicação. Meu pai, por outro lado, tem uma curiosa fé no amor racional: defendeu por tantas vezes, em sua tribuna caseira, que se pode aprender a amar alguém passionalmente.

Isso tudo é do tempo em que a filosofia estava em casa, até mesmo na receita de quirera ou de cuscuz. Mas as coisas mudaram.

Não podemos negar que vivemos uma era de método e organização. Todos os campos das ciências, dos negócios, das relações, parecem poder ser otimizados, levados a um patamar mais alto de produtividade, de eficiência, de profissionalismo.

Não sei quem sofre mais com isso: os supersticiosos ou os empíricos. O mundo divertido das crendices, das chazinhos, das ervas secas, das simpatias, da pedagogia de vara de marmelo, da molecagem forjadora de caráter, parece estar se esvaindo num mundo pra lá de chato.

Chegou o politicamente correto, o ambientalmente irretocável, o asseado demais. As pessoas estão almoçando organogramas e jantando planos de metas.

Mas a pergunta é a seguinte: e a geléia de laranja com casca, na panela de ferro mal lavada de 30 anos de uso, vai entrar em extinção?

Li dia desses da revista Piauí uma divertidíssima crônica sobre o Clube dos Sem Celular. Não sou um anacrônico resmungão, ao contrário, adoro meus brinquedinhos que piscam e fazem pimpoim, afinal, boys will be boys. Mas algumas pessoas me criticam porque ao mesmo tempo gosto de tirar o broto do dente do alho porque acredito na mitologia de que o ranço e o amargor se vão quando os pedacinhos fritam no azeite, sem o maledeto broto.

Meu medo é, de verdade, a hora que tivermos que escolher.

“Ei, rapaz, você não pode transitar nos dois mundos! Pode ir se definindo, ou um primata biomecânico enquadrado, ou um dinossauro estorvo rebelde-sem-causa.”.

Já estive nos bancos de faculdade, que ainda na década de 90 tinha gente com fotografia do Che na capa do caderno, e estrelinhas em pin penduradas na indumentária. PT? PT era uma desculpa, o legal mesmo era ser da esquerda cool. Cabelo sem corte, meio ensebado, mas com certa sustança. Camisa por dentro da calça só podia ser coisa de playboy ou de pedreiro descendente de alemão voltando pra casa depois de ter emgomado o cabelo no fim do serviço.

Mas a coisa tá ficando sem alma. O poder aquisitivo chegou na base da pirâmide, e o que a gente ganha em troca? Um monte de carros com aparelhagem de som pra fazer comício de Diretas Já, mas tocando funk meleca carioqueca na sua moringa. Como diz a tevê, ninguém merece.

Nostálgico? Romântico? Idealista? Nego tudo, mesmo sob tortura. Azedo? Ranzinza? Ranheta? É a mãe.

Por isso é que não dá pra pensar outra coisa, tá chegando a hora em que a curiosidade intelectual vai ser proibida por lei. A ternura psicodélica vai pro Código Penal. Somos do BRIC. Aqui, só chegou a marolinha. Pré-sal: eis que vemos a Terra Santa, isso aqui vai virar a Canaã do combustível fóssil.

Fico imaginando se o Nostradamus previu isso tudo. A nova era, onde enfim, vamos ter dinheiro pra imitar com afinco o consumismo norte americano. Que redenção! Podemos depois de tanto tempo financiar nossa total colonização cultural!

E os lambaris com varinha de bambu? História da carochinha. Quem quer sentar na beira do rio e sentir o cheiro empoeirado da barranca enquanto o sol te esquenta e te dá preguíça?

Ninguém. Afinal, agora tem lambari 3D .

Parem o Brasil que quero descer. Vem aí nossa desgraça final: uma economia forte, um povo endinheirado, e um país sem identidade.

Sniff.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O MEU ERRADO E O ERRADO DELES

Talvez o melhor pra começar esse post-reflexivo seja te fazer uma pergunta: quantas vezes você defendeu um ponto de vista que fosse desvantajoso pra você?
Vamos, lá, refraseando: no campo dos argumentos, trocando idéias ou debatendo algo, quantas vezes você já tomou partido de uma idéia que, se aplicada na prática, tiraria algum benefício seu?
Você já vai entender onde quero chegar.
No campo da argumentação, dos fundamentos, das razões, parece haver uma quase infinita flexibilidade.
Podemos falar no erradinho e no erradão.
Eis o conceito deles: o erradão é aquele que os outros estão cometendo. Eles estão infringindo a lei, a ética, a moral, são atitudes inaceitáveis, repreensíveis, condenáveis.
Já o erradinho é diferente, porque ele apareceu no seu espelho. E a partir do que ele vestiu suas roupas, dormiu na sua cama e comeu no seu prato, ele passa a ser defensável, relativo, tolerável.
Vamos exemplificar pra não deixar o gaiteiro solando no improviso.
Pra isso, vamos usar o campo das leis. Digamos que você está viajando no feriado. Fez aquela mala apressada porque estava sem tempo pra se planejar muito, saiu mais tarde do trabalho, e a diária ou o aluguel de sua hospedagem já estão em andamento.
Aí você pega uma estrada meio engarrafada, com a família no carro, os filhos perguntando "papai, tá chegando"a cada 12 segundos. Olha para frente, uma fila que parece começar no Cazaquistão, olha para o lado, um gordo seboso tirando tatu do nariz. Você pensa: "eu não pertenço a esse lugar e esse momento, meu São Onofre." Aí, olha pro lado, e incrivelmente, existe uma pista livre. Ela se chama "acostamento-highway", ou pelo menos deveria se chamar, já que tem tanta gente passando por ali. Por um momento você pensa: "ah, eu não vou ser o único palhacinho que vai ficar esperando nessa fila", vira o volante e entra na via livre e que pasmem, anda (até parar logo ali na frente, claro).
Apesar de você ter feito isso sob a justificativa de que não ia ser o único pateta a ficar esperando no imenso impedimento de movimento chamado fila, a maioria esmagadora ficou na fila. Mas você não, afinal, você é espertão, papai te ensinou a malandragem da vida, e com isso você volta e meia se dá bem.
Nesse ponto, se você é realmente daqueles que andam pelo acostamento, esquecendo que vive em sociedade e achando que nenhuma ambulância, polícia ou bombeiros pode precisar daquele acesso, ou se você acha que o mundo de panacas que ficou te olhando passar sempre serão os tolinhos dessa vida, você já deve estar mentalmente se defendendo.
Alguns argumentos são possíveis:
"Tem tanto bandido solto, que mal tem andar pelo acostamento?"
"Eu sou um pai dedicado e até pago meu imposto de renda (mais ou menos), então furar essa fila imensa não machuca a aura de santo nenhum."
"Ah, que se dane, nem vou pensar em nada, só estou sem saco de ficar aqui parado."
Mesmo que consideremos que podemos eleger como errado as ofensas ás pessoas em particular ou à sociedade em si, ou seja, mesmo que você esteja achando que meu exemplo foi infeliz, pode usar o seu. Só aplique a mesma regra: ser você estivesse de fora, diria que está errado. Mas de dentro, você pode dizer que nem faz diferença ou que é justificável, ou que uma ou umaS vezes só não faz mal, e por aí vai.
Muita gente tem dito que o Brasil sofre de uma doença crônica (e não aguda, mas crônica sim), que se chama felxibilidade moral.
Eu digo que isso não é coisa do Brasil, é coisa do ser humano.
Claro, há nações conseguem ser menos flexíveis, numa média. Você até pode ver um executivo japonês, cuja corrupção foi descoberta, fazendo um harakiri, mas tenha certeza, tem muito japonês dando seu jeitinho também. Por isso, esse devaneio deve ser pessoal, vamos esquecer a galera.
A galera é burrinha, a galera quebra e ateia fogo em ônibus, a galera saqueia quando o Estado desaparece.
Por incrível que pareça, a galera é feita de indivíduos, mas a soma dos indivíduos não forma a turba... (isso é conceito de um pensador, que não cito agora pois não pesquisei pra identificar o cabra.)
Então vamos pensar em mim e em você.
Vamos ser adultos e parar de defender o erradinho.
A verdade conveniente demais, só pode ser mentira.
Verdade oportunista, verdade conveniente, pode certamente ser chamada de meia-mentira pelo menos.
Em outras palavras, pra que essa paranóia de querer sempre estar certo?
Esteja errado, assuma o errado, realize assim o pilar da psicoterapia chamado auto conhecimento... (é, eu também já frequentei divã).
É cansativo se observar ou observar os outros defendendo alguma coisa que, numa visão kantiana, está errado e pronto.
Obviamente, existem errados gerais e errados particulares.
Existem coisas que funcionam pra você e não funcionam pra mim, e vice-versa.
Mas andar no acostamento, sonegar impostos, subornar o guarda, furar a fila, jogar cigarro na rua, estacionar ocupando duas vagas, roubar sinal de tevê a cabo, perceber que faltou alguma coisa na conta do restaurante e não falar nada, trair seu marido ou mulher, e tantos outros erradinhos (ou erradões, sempre depende do lado que você está)...
Talvez a partir disso seja mais fácil viver, ou seja, se você realmente acredita que consegue administrar os seus erradinhos, mesmo que você continue achando que eles não são errados, boa sorte na técnica de contenção eterna.
Acreditar que você poderia estar fazendo coisa bem pior não melhora o que você está fazendo. Acredite, nesse caso, não existe relação entre o que você deixou de fazer e o que você está fazendo.
Só existe uma coisa: o que se materializa, o que veio ao mundo dos fatos.
Por último, apenas pra falar de um clássico da auto-indulgência, é bom lembrar que comparação não salva sua pátria. Muita gente defende seus erros dizendo: "ah, eu estou fazendo isso, mas mo mesmo jeito, eles estão fazendo aquilo..."
Outra criancice da nossa mente é se justificar comparativamente, ou seja, é achar coisas análogas ou similares que também estão erradas e que você não está fazendo.
ORA, SEU BOCO MOCHO, A ÚNICA COISA QUE IMPORTA PRO SEU MUNDO É O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO.
O pensamento "ah, todo mundo tem seu vício e por isso eu posso ter o meu" não torna seu vício certo, não justifica seu erro, apenas o individualiza.
Poderia se dizer então, numa redundância meio ignorante, que se todo mundo anda acima da velocidade permitida as placas ou o código de trânsito são frutos da nossa imaginação...
Como se pôde notar, a reflexão do dia foi pra lá de abstrata, mas normalmente algo no dia me leva a escrever... e vamos e venhamos, não custa pensar um pouco, afinal, parece que dentro da caixola a natureza nos colocou equipamento pra ser usado...
No fim, concluindo em aberto... provavelmente é mais bacana ser um errado assumido do que um hipócrita eloquente...



terça-feira, 2 de setembro de 2008

O DIREITO DE NÃO SER INFELIZ PELOS OUTROS

Depois de um pseudo-exílio, eis-me de volta. Nesse afastamento, andei pensando muito sobre o tema trazido pelo título acima. Fatos e fotos da vida se apresentam no teatrão diário que é o cotidiano... e dá-lhe perder tempo em devaneios.
Contudo, todavia, porém e entretanto... vale dividir pensamentos aqui.
O direito de não ser infeliz pelos outros, apesar de parecer meio óbvio, parece haver sido sequestrado, abduzido pela condição miserável de ser humano que às vezes se evidencia na nossa jornada no planetinha.
Histórias pessoais e narrativas ouvidas desenham pra mim, cada vez mais, essa obrigação de ter ligações e de cumprir convenções, que acabam fazendo com que a solidariedade se torne madrasta: quem parece poder ser feliz acaba cedendo um pedaço de sua plenitude às hienas lamuriantes vida afora.
Como os exemplos do cinema parecem ser sempre muito elucidativos, eu acabo, por cacoete e por linha de ação, sempre me remetendo a eles. Vou radicalizar: quem não assistiu o filme espanhol chamado MAR ADENTRO, deve deixar de ser alienígena, sair da caverna sombreada e dar uma olhada no longa.
O filme é uma divagação muito sã sobre personalidades e dilemas, e traz a noção de que aquele que tem todo o direito de ser infeliz nem sempre opta por esse caminho.
Auto-piedade é um saco, pra falar a verdade.
Mas, ao mesmo tempo, parece ser uma armadilha corriqueira... é como chocolate, parece que seduz praticamente todo mundo, menos alguns excêntricos ou quem sabe afortunados.
Não vou entrar no mérito da questão da normalidade ou não das mentes e personalidades, até mesmo porque a excentricidade pode ser divertida e até gerar prazer de companhia... mas, o que não dá pra fazer é ser engolido pela miséria alheia.
Uma coisa é compaixão.
Outra é o apetite da infelicidade alheia.
Ele devora a gente.
O pior de tudo, é que pouca gente consegue enxergar que a vontade de ajudar pode ser legítima, pode ser cristã, budista ou muçulmana (como princípio), mas o direito de continuar feliz mesmo diante da infelicidade alheia deveria ser intocável.
Claro, sempre temos a história do português diante do aquário, onde olhando para o peixe, acabou abrindo e fechando a boca como ele. Quem conhece a piada, lembra do desafio das mentes. A mais forte predomina.
Isso nos leva a uma conclusão e uma verificação quase inevitável: ser infeliz pelos outros parece estar entre o poder de decisão e o domínio da própria mente.
Olhe para os lados.
Sempre, sem dúvida, inescapavelmente, existe alguém se lamentando eternamente pela vida, querendo que a sombra dessa nuvem escura e faminta chamada insatisfação cubra sua vida, porque a dela já está coberta num limite de espaço imenso e sem fronteiras finais.
Sempre existe aquele baixo-astral gosmento, que não pode reconhecer nunca a dádiva de viver, que fica achando que a vida foi sempre injusta, que lamuria a condição de pára-raio das maldades do mundo.
Argh.
Parece defunto que tira a mão da cova e fica puxando seu pé.
Muito já se falou de gente que não quer ser ajudada, é adágio popular usar esse refrão, mas há sabedoria na colocação.
Vamos chamar essa gente de "buracos negros".
Pros buracos negros, só há uma solução: isolamento.
Porque eles não tem fundo.
Um buraco negro não reage por si.
A função dele na vida é engolir tudo, inclusive a luz.
Se teu mundo tá clarinho, ele quer escurecer.
Se você tá animado, ele quer te amuar.
Na verdade, o mais grave, é que esse tipo de gente não faz isso porque planejou. Nem faz por mal, como diriam os antigos. Mas faz.
E daí, diante deles, se planta o dilema: ajudar ou não ? Se envolver ou não ?
Entenda ajudar como um fruto natural da tua compaixão.
Se você consegue ser egoísta, se afastar e mandar ele ir chupar prego até virar tachinha, juro, juro por São Onofre, EU TE ADMIRO!
Porque ajudar, conviver com problema, orientar, ou seja, participar de uma infelicidade que tem cura, é gostoso e é até exercício de humanidade.
Agora, enfiar os dois pés na areia movediça, que só quer te sugar pro fundo sem sequer te oferecer a satisfação de ter gasto energia com aquele problema, é burrice, e das grossas.
Obviamente, todos tem seu calvário.
Quem é resoluto de ajudar porque não consegue se livrar de um dever afetivo ou de uma convenção social acorrentadora, deve também ser objeto de pena.
Mas a esses, ainda, eu sugiro: deixe o coração em casa.
Vá pra labuta da ajuda de modo mecânico.
Guarde o abraço e o afago pra quem tem vontade de se reerguer.
Porque não existe tarefa mais ingrata do que comprar infelicidade por dever de ofício.
Como dizem por aí, ninguém pode dar procuração pro outro viver sua felicidade.
Ninguém poderia dever ou querer também ser infeliz pelos outros.
Ajudar não é compartilhar a infelicidade.
Ajudar é, quando o infeliz mostra querer ser feliz, apostar na obra final, e ter orgulho e amor pela causa de acreditar que bom mesmo é gastar energia com algo possível.
Quando você visualizar um navio encalhado, não tente empurrar ele sozinho pra água, é coisa demais pra você.
Quando você visualizar um bote encalhado, veja se ele não está furado, e daí comece a fazer força.
Barcos furados tem seus donos... e tapar o buraco é o dever do dono do barco. Depois, ele merece ajuda pra desencalhar.
Metaforismos infantis à parte, era isso.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

I read your book, you magnificent bastard !!

Pra quem leu o título acima e não entendeu nada, descrevo a situação: depois de anos, assisti novamente o filme PATTON, onde George C. Scott é o maestro de uma realização cinematográfica que caminha entre a introspecção do mundo de um general que transpira a vocação de guerreiro e ao mesmo tempo exibe ao mundo sua vaidade e sua obsessão por glórias militares.
Como sou da geração que ainda não fez quarenta anos mas também estou bem longe dos franguinhos de vinte anos, me sinto livre pra opinar pra cima e pra baixo. Ou seja, remanesço num velho hábito de achar que quem olha pro futuro não esquece do passado... (com sua permissão, Paulinho da Viola.) Claro que estou falando aqui mais de não achar que tudo que é bom tem cheiro de recém pintado ou tem escandalosos efeitos especiais feitos por computação gráfica.
Em outras palavras, a cena onde Patton derrota Rommel numa batalha específica, onde o ator americano magistralmente entra em frenesi e solta esse grito solitário que nada mais é do que a expressão de uma mente independente e vocacionada, me impressionou de modo que ando falando essa frase sozinho no meu dia a dia, por todo o contexto que ela representa.
Primeira coisa que digo: assistam o filme! Por mais que não se deva dar palpite quanto a perfume, amante e filme (nem sei daonde tirei isso), eu repito: assistam o filme.
Em segundo lugar, cabem as reflexões sobre a aplicação dos conceitos trazidos pela fala da personagem e pelo contexto.
É admirável como o general, ao contrário de muitos militares e líderes da época, se dava a conhecer o inimigo. Me parece que isso já era coisa do Sun Tzu, há uns milhares de anos atrás: conhecer o inimigo (A Arte da Guerra, uma metáfora que os executivos passaram a usar por aí, que os MBAs incluiram em suas aulas... meu Deus, como o mundo é padronizado e pouco criativo às vezes...).
Bem, de qualquer modo, Patton (na descrição do filme), falava diversas línguas e estudava a guerra, era um "cowboy" chucro de um lado e do outro, um esgrimista aristocrata.
Essa dualidade é admirável, rica e genuína. A genuinidade é o que mais salta aos olhos... a essência fica, mesmo viajando entre hunos e visigodos... ou mesmo sendo um visigodo ou um huno, ao se tornar um cavalheiro, vc pode guardar a paixão de ser um huno ou um visigodo. Esses dias ouvi uma profissional de psicologia falando sobre os atletas e sobre a endorfina da atividade deles. Quando eles param, parece que nunca mais conseguem a satisfação do que era trabalhar com o corpo, suar, pular, correr, competir. É bem nesse ponto que a reflexão da frase que ando doidamente repetindo sozinho (seja pelo elan natural da catarse que o filme trouxe, seja pela ontologia dela na minha vida), mas, apesar de meio abstrado, o conceito de que você tem que melhorar sempre mas ainda assim ser você, me soa como canção de ninar ou como brado de início de batalha (pode parecer estranho, mas ambos são reconfortantes).
Me anima, e tenho tentado achar gente no mundo que consegue realmente selecionar o melhor de cada momento antes de passar para o próximo. Nesse ponto acho que ninguém mais está me entendendo, mas o que quero fazer (além da permissão universal de devanear livremente), é repetir o que venho falando para quem está próximo de mim... Ô FALTA DE INTENSIDADE DESSE POVO!
Acho que sem ver o filme, pouca gente vai entender exatamente o que eu quero dizer, mas a irreverência que é natural da verdade em ser o que se é, é um tempero gostoso num mundo de "vida de gado, onde "povo marcado, povo feliz...". (à bênssa, Zé Ramái). Por hoje é só, pessoal.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O melhor vinho é aquele que vc gosta ?

No finalzinho da tarde de hoje achei uma reportagem perdida no site do UOL, bem interessante. Sei que somos manipuláveis por informações incertas e por "achismos" quase o tempo todo, mas ao mesmo tempo temos que nos resguardar porque parece que tudo que é intitulado "um estudo da universidade de Bimington Hacksfield" (nome acidental criado agora, claro), dá mais credibilidade aos comentários.
Na verdade, como sabemos bem, hoje verdades são as mais convenientes e confortáveis... você pode procurar uma verdade do seu tamanho e da sua cor preferida que você acaba achando...
De qualquer modo, como tenho debatido com algumas pessoas como somos marionetes de sugestionamento e de ninguém mais é original, quando se trata de vinhos eu quero acreditar por muito tempo e com fé que a única maneira de ter o melhor é ser fiel ao que você está gostando. E claro, torcer pra não gostar demais do Mouton-Rostchild ou do Chateau Margaux, se é que você conseguiu bancar simplesmente experimentar...
Bem, dêem uma lida no estudo..
Hablamos despues...